quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Como sempre fui

Só sei ser sozinha, está mais do que visto, prova disso somos nós, ou o não nós, depende do quão optimista estou nos dias em que penso nisso, se o sol me lava a cara de manhã, se tropeço e rasgo as meias na esquina da perna da mesa.
Só sei ser sozinha e, verdade seja dita, não são mais as vezes em que me sinto bem com isso do que as outras, como esta, em que escrevo, às três da manhã, depois do último cigarro do dia fumado à varanda, sem saber bem o que escrevo ou o que quero dizer- acho que é só uma limpeza na prateleira dos pensamentos ocos, uma tentativa de poupança de umas quantas voltas na cama, cansada mas sem conseguir dormir, como sempre.
Há coisas a que simplesmente não me consigo habituar, como a esta insónia que me consome desde sempre- se ao menos o corpo me fizesse jus à cabeça e eu tivesse uns, sei lá, 36 anos, sempre podia ter aqui, no meu quarto transformado em escritório por volta dos 30, uma mesinha redonda e uma garrafa de Porto e um cinzeiro para que pudesse sufocar a solidão noite dentro, talvez este quarto (escritório) não me parecesse tão escuro e tão distante. Talvez.
Talvez sozinha, como sempre fui, como só sei ser, com o corpo cansado de esperar pelo calor.
Desculpa-me o tom em que escrevo isto, como se lágrimas perpétuas espalhadas pela caneta, mas que queres que faça, se este é um dia de não nós, tenho as meias rasgadas e tu nem estás aqui para calar tudo isto com um abraço quente?
Sabes, acho que a culpa é da altura do ano- não gosto de Fevereiro- ainda não se vendem gelados gelados mas já não se vende Ferrero Rocher, fico assim, amarga, sem nada que me adoce a boca, num lento propagar de sabores, já para dizer que nunca estás perto por esta altura.
É ridículo, isto. O que posso fazer?, são Deuses a jogar aos dados- a minha vida.
Desculpa-me estar a dizer, logo a ti!, que o corpo me pede um corpo para agarrar, ainda que não seja o teu, mesmo não querendo nenhum em especial, mas ei!, sempre fomos amigos e, afinal, estamos cá para isso.
Estamos cá é modo de dizer, não estamos cá coisíssima nenhuma, estou cá eu, sozinha como sempre fui, com o ócio a tolher-me os movimentos , a impedir-me de ir lá fora fumar o cigarro que tanto me chama ou para ir lá baixo, assaltar a cozinha, procurar o docinho que a boca me pede, já para não falar do absurdo de me meter num comboio para te encontrar o corpo.
Sabes, mais ridículo do que estar a escrever isto é senti-lo, é dirigir-me a ti. Creio que o faço apenas porque foste o único que esteve sempre aqui, de forma um tanto ou quanto estranha e assustadora- mesmo neste não nóse nesta solidão, foste o único a sempre estar.
Mas agora a tua presença parece-me fraca, não leves a mal, já disse que este é um dia de meias rasgadas e, obviamente, este canto que é teu serve-me de tabela- mesmo assim, fraco, continuas a incomodar e a meteres-te no caminho de potenciais engates vindos daqueles que ainda se atrevem a tentar tornar-me menos só, como se eu soubesse sê-lo.
Chego a casa como, de resto, sempre fui. Sem gelados nem Ferrero Rocher à minha espera- oh!, e isto, assim, escrito, parece-me a eternidade.