segunda-feira, 16 de junho de 2008

Da noite

Lembro-me do tempo em que o amor chegava para te amar, em que o teu azul chegava para colorir o meu céu. O tempo em que aquele chão bastava para acreditar que havia um caminho, em que um beijo valia mais do que um corpo, em que cada sorriso carregava promessas.
Tenho saudades tuas. Tudo o resto é sopro, palavras que já não temos para partilhar, tempo que já não temos para dar, espaço que já não temos para ficar. Tenho saudades tuas.





(Fica comigo esta noite. Deixa-me chamar-te meu amor)

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Descansar

"São horas de dormir, meu amor, são horas de dormir".
Não consigo decidir-me, se é isto que te devo dizer ou se mo devo dizer. Tenta perceber, é o hábito, esta catarse de não saber distinguir cada um de nós do nós, desculpa-me, não o faço por mal nem por sede de romance, faço-o porque me habituei assim e custa-me a mudar as palavras assim, de repente, sem aviso prévio, carta registada a avisar, sem aprovação em assembleia, post-it na porta do frigorífico, sem sequer ter tempo para encontrar outras metáforas que não metam o teu azul ao barulho- e agora, como raio volto a escrever "azul" sem que sejas tu, eu, nós?
Perdoa-me o devaneio, de facto, o importante é que são horas de dormir- o sol já se foi há tanto tempo! (pensando bem, já tive tempo de sobra para parar de amontoar sentimentos dentro do azul- afinal, o sol já se foi há tanto tempo!) nas ruas, ninguém para me ver fumar o último cigarro do dia à varanda, as mães já aconchegaram os filhos na cama, os casais apaixonados já deixaram que os corpos confundissem o "nós" com o "eu", a mulher traída já encontrou a impiedosa coragem de fazer as malas, o homem sem nome regressou já a casa depois de percorrer todas as ruas embriagadas da cidade.
São já horas de dormir, meu amor, são já horas de dormir.
No fundo é simples- ao deitar, respirar fundo, inventar um pouco de fé, fingir um pouco do que resta de "nós" e, ao fechar os olhos - dormir. Talvez, ninguém é de ferro, relembrar quando, na cama, não eramos só isto, costas com costas, cada um ouvindo a chuva que cai lá fora à sua maneira, pedindo coragem a deuses em que não cremos para que amanhã, ao raiar do dia, acordemos lúcidos o suficiente para perceber que, a vida é mesmo assim, não há volta a dar-lhe, é preciso acordar.
Afinal, ambos temos já as malas feitas. O que levas tu? Eu levo aquela fotografia de há uns anos, os dois de olhos fechados e , percebo hoje, sonhando; a cigarreira que me ofereceste e, claro ainda aquela outra fotografia perfeita para contar o que somos (fomos?). Acho que nunca cheguei a mostrar-te essa fotografia, nem é agora, que são horas de dormir, que a vou mostrar, mas olha, há fumo, muito fumo, dois sorrisos e tudo o resto é escuro e desfocado. Fomos (somos?) uma fotografia desfocada.
Agora vá, descansa, ambos temos longos caminhos a iniciar amanha, tenta levar algo que não te assombre nem te chame de volta. Não podes voltar a levar-me o músculo vermelho, tal como eu não te posso levar o azul, já tentámos assim antes e foi desastroso.
Não leves nada que te possa trazer de volta.
Não te encostes a mim que eu não posso levar o teu cheiro na minha mão, a tua pele debaixo das minhas unhas, o teu azul.
Vês? custa-me a parar, quero dizer, que raio de piada tem o amarelo ou o lilás? Porque é que o vermelho anda prostituído nas bocas do mundo, sim, porque é que o vermelho é tão cliché?
Não vale a pena. Se quiseres minto-te, pinto-nos de cor-de-rosa e não se fala mais nisso, não nos vamos deitar e ficamos aqui a olhar para a televisão sem a ver, deitamo-nos costas com costas, e amanhã tudo será igual.
Não vale a pena, são já horas de dormir, meu amor, que o amanhã pede que acordemos perpetuamente. Dá-me a tua mão, com a cerimónia exigida por ser a última vez que o fazemos, deita-te a meu lado, beija-me a fronte, costas com costas, horas de dormir.
Descansa, meu amor, sonha-nos uma última vez se puderes, mas descansa, pode ser que assim, amanhã ao acordares, ao ires embora, nem percebas que eu já não estou cá.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Como sempre fui

Só sei ser sozinha, está mais do que visto, prova disso somos nós, ou o não nós, depende do quão optimista estou nos dias em que penso nisso, se o sol me lava a cara de manhã, se tropeço e rasgo as meias na esquina da perna da mesa.
Só sei ser sozinha e, verdade seja dita, não são mais as vezes em que me sinto bem com isso do que as outras, como esta, em que escrevo, às três da manhã, depois do último cigarro do dia fumado à varanda, sem saber bem o que escrevo ou o que quero dizer- acho que é só uma limpeza na prateleira dos pensamentos ocos, uma tentativa de poupança de umas quantas voltas na cama, cansada mas sem conseguir dormir, como sempre.
Há coisas a que simplesmente não me consigo habituar, como a esta insónia que me consome desde sempre- se ao menos o corpo me fizesse jus à cabeça e eu tivesse uns, sei lá, 36 anos, sempre podia ter aqui, no meu quarto transformado em escritório por volta dos 30, uma mesinha redonda e uma garrafa de Porto e um cinzeiro para que pudesse sufocar a solidão noite dentro, talvez este quarto (escritório) não me parecesse tão escuro e tão distante. Talvez.
Talvez sozinha, como sempre fui, como só sei ser, com o corpo cansado de esperar pelo calor.
Desculpa-me o tom em que escrevo isto, como se lágrimas perpétuas espalhadas pela caneta, mas que queres que faça, se este é um dia de não nós, tenho as meias rasgadas e tu nem estás aqui para calar tudo isto com um abraço quente?
Sabes, acho que a culpa é da altura do ano- não gosto de Fevereiro- ainda não se vendem gelados gelados mas já não se vende Ferrero Rocher, fico assim, amarga, sem nada que me adoce a boca, num lento propagar de sabores, já para dizer que nunca estás perto por esta altura.
É ridículo, isto. O que posso fazer?, são Deuses a jogar aos dados- a minha vida.
Desculpa-me estar a dizer, logo a ti!, que o corpo me pede um corpo para agarrar, ainda que não seja o teu, mesmo não querendo nenhum em especial, mas ei!, sempre fomos amigos e, afinal, estamos cá para isso.
Estamos cá é modo de dizer, não estamos cá coisíssima nenhuma, estou cá eu, sozinha como sempre fui, com o ócio a tolher-me os movimentos , a impedir-me de ir lá fora fumar o cigarro que tanto me chama ou para ir lá baixo, assaltar a cozinha, procurar o docinho que a boca me pede, já para não falar do absurdo de me meter num comboio para te encontrar o corpo.
Sabes, mais ridículo do que estar a escrever isto é senti-lo, é dirigir-me a ti. Creio que o faço apenas porque foste o único que esteve sempre aqui, de forma um tanto ou quanto estranha e assustadora- mesmo neste não nóse nesta solidão, foste o único a sempre estar.
Mas agora a tua presença parece-me fraca, não leves a mal, já disse que este é um dia de meias rasgadas e, obviamente, este canto que é teu serve-me de tabela- mesmo assim, fraco, continuas a incomodar e a meteres-te no caminho de potenciais engates vindos daqueles que ainda se atrevem a tentar tornar-me menos só, como se eu soubesse sê-lo.
Chego a casa como, de resto, sempre fui. Sem gelados nem Ferrero Rocher à minha espera- oh!, e isto, assim, escrito, parece-me a eternidade.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Amanhã

É difícil acreditar na lata que tens, no desplante de me apareceres aqui, assim, a meio da noite, outra vez. Outra vez.
Lembras-me a criança rabugenta e indisciplinada que diz com olhinhos doces "não quero nada", mas ao ver o coleguinha do lado pedir batatas fritas de sabores enjoativos desatas num berreiro a dizer que queres sim senhor, que não te apetecia antes mas agora apetece, e eu, a querer dar-te batatas, e tu, num histerismo desalinhado a gritar que não queres outras, que queres as dele, e eu, o que hei-de fazer se neste momento és criança e eu nunca soube como se amordaçam rebeldes?, tento explicar-te que não pode ser, que não é assim, quando fores maior vais perceber.
É incrível a lata que tens! Lá por, num momento de loucura, te ter acordado numa noite em que eu nem era eu, em que as estrelas brilhavam mais do que os olhos pediam, em que as feridas guardadas no peito como medalhas me pesavam demais (não te rias, que são medalhas de ouro e parecendo que não ainda pesam), isso simplesmente não te dá o direito de te vires plantar à minha cabeceira, logo aqui, que nem cabeceira tenho, como se este ainda fosse o teu reino e esta almofada ao meu lado ainda fosse para ti.
A ver se nos entendemos, não tens o direito de vir para aqui inquietar-me as paredes nem, muito menos, de pores os meus livros a suspirarem-te o azul. E não me faças olhinhos que a questão há muito que deixou de ser eu querer ou não, a questão é que não te quero tão dentro da minha vida, não quero as chaves de minha casa no teu bolso e nem pensar em partilhar a minha cama só porque hoje, como sempre, até estamos os dois para aí virados, ou porque acabei de me aperceber que as tuas mãos têm o tamanho perfeito para que as minhas se possam encaixar.
Eu disse que se me deixasses passar contigo aquela noite no dia seguinte eu mesma me mandaria embora, e assim fiz, que mais queres que faça? Queres que te persiga na faculdade, que diga ao professor de anatomia que te ensine o meu corpo, porque só o meu é que pode ficar bem com o teu dentro, mesmo quando a beleza nos abandonar e os corpos ficarem velhos, que grite, que me atire da ponte caso não me ouças, que te dê estaladas e te roube beijos logo a seguir, que espalhe o teu nome pela cidade junto ao meu dentro de um coração piroso?
Ora, por favor!, deixa-me estar no meu canto que hoje estou demasiado cansada para sentir, logo a ti, que me fazes sentir tanto. Volta amanhã, amanhã falamos sobre o que quiseres desde que não seja sobre nós, até disposta a falar sobre o aquecimento global ou estúpida lei do tabaco estou, se vieres amanhã.
Vem amanhã, ficamos no sofá a ver filmes pirosos ou, se a calma nos trair, enrolamo-nos por todos os cantos da casa e depois ficamos a fumar cigarros na minha cama, que por aqui não há leis a atrapalhar, e eu deixo-me adormecer com a cabeça no teu colo.
Amanhã, não hoje.
Tem de ser amanhã porque, por muito que me apeteça hoje, não te posso deixar entrar assim na minha vida outra vez, porque temos que ter calma, senão ponho-me a pensar e estou demasiado cansada para pensar agora, pior do que isso, ponho-me a deixar-te aparecer sempre que te apetecer e quando der por mim já é só o teu azul outra vez, o teu toque outra vez, eu só para ti outra vez e simplesmente não te posso entregar este reino numa bandeja dourada, mas vem amanhã, logo se vê.
Amanhã.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Acordar

Ei, acorda. Preciso que acordes.
Já sei, já sei- passo a vida a atirar-te pedras por me acordares a meio da noite em forma de insónia, acuso-te de seres o ponto negro no tecto em que fixo o olhar durante horas- é simplesmente ridículo que te entre no quarto e te acorde sem mais nem menos. Mas olha, não é assim, sem mais nem menos, tenho uma razão para estar aqui, preciso de te falar, preciso que abras os olhos, preciso que acordes.
Preciso de te dizer coisas, coisas simples como "acorda". É estranho ver-te aqui, deitado, parece-me demasiado irreal que esteja a falar-te e quem nem te dês ao trabalho de acordar, doem-me os ossos do frio, dói-me a pele de tanto te tentar arrancar de mim, estou cansada- vim a correr e o teu quarto fica tão longe, não conheço a tua cidade e fui obrigada a perguntar a estranhos como chegar aqui, suportei os risinhos e os que me olhavam como louca, vá lá, faz o mínimo que podes fazer, acorda.
Custa-me estar aqui, estou cansada, já disse, também quero fechar os olhos e dormir, fechar os olhos para não ter que ver. Mas calei tantos orgulhos para vir até aqui, corri até os sentir sangrar em todos os músculos, corri até deixar de pensar e agora que estou aqui preciso que acordes. Acorda.
Vá lá, só por hoje não me importo que me vejas assim, em desalinho, com a maquilhagem arruinada, corada do esforço, desfeita em súplicas e com o lábio inferior a tremer desenfreadamente.
Estás a ouvir-me? Estás a fingir-te de adormecido? Não faças isso, não feches os olhos a pensar que são tudo mentiras, que fomos mentiras e que a única verdade foi o fim sem estrelas daquela noite tão escura.
Consegues sentir isto? Sentes a minha mão a pegar na tua, os teus dedos enrolados nos meus, a minha respiração no teu cabelo? Não te estou a pedir para trazeres de volta nada do que disse para levares contigo, não é nada disso. Mas preciso que abras os olhos, que me vejas, que estendas a mão livre e que me puxes para ti, que passes os dedos pelos meus braços, que vejas que sou real, que tenho as mão abertas para ti, que pouses a palma da tua mão no meu peito, para que o meu coração acelerado da corrida possa descansar, nas tuas mãos, nos teus olhos. Preciso de respirar fundo no teu abraço e de deixar cair as lágrimas que insisto em conter todos os dias, porque afinal, o mundo não pára e, já se sabe, the show must go on. Mas quero que pare só por hoje, por esta noite, que o único espectador da minha peça sejas tu e que subas para o palco comigo.
Acorda, deita-me a teu lado e, como se o tempo fosse uma invenção inútil, passa-me a mão pelo cabelo, limpa-me o suor da cara, deixa-me adormecer a teu lado, vê-me adormecer. Acorda e vê-me, para que, por uma vez, a saudade me doa em paz, para que o meu sonho seja calmo com o teu cheiro. Vê que pisei as minhas certezas e tudo o que disse e que corri só para que me visses, a teu lado, em paz, sem pedras a minar a distância entre os nossos lábios, sem pensamentos despertos a recordar as palavras sanguinárias nem sequer com os sapatos a lembrar o caminho que fizemos em direcções opostas.
Amanhã eu mesma me mando embora, não te interrompo mais as noites, mas hoje, por favor, acorda, preciso que me vejas, mesmo que eu adormeça e não possa procurar uma risca branca no teu azul, preciso que me vejas.
Por favor, acorda, abre os olhos. Eu preciso que os teus olhos vejam os meus.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Ora pedras, ora beijos

Não, não te quero ouvir, as tuas razões, o que sentes, o que finjes sentir, o que sabes, o que gritas, como foi o teu dia, que vitoriazinha alcançaste hoje, o que finjes saber, o que és, o que estás aqui a fazer. Não quero ouvir.
Nem quero ver essa cara de quem não percebe o que se está aqui a passar, o que me deu, porque raio estou aqui aos gritos, logo eu, que ainda ontem te atirava beijos sem aviso, despropositados, sem sentido, mal te tocando. Não quero ver.
Não quero que perguntes a razão por que te sou uma pessoa diferente todos os dias- sorrisos a semana passada, lágrimas este sábado, língua infantilmente deitada de fora no domingo, festinhas há dois dias, beijinhos sem nexo ontem, gritos e pedras hoje. Não quero ver.
Pelo amor de Deus, esconde-me esse azul, esconde essas mãos que não sabiam largar-me o corpo quando todos os dias eram dias de beijinhos e papas de leite, cala-me essa voz que, desafinada, me cantava ao ouvido, larga-me a mão, não me faças festinhas no rosto e nem te atrevas a tentar mostrar-me a que sabe o teu hálito hoje. Pelo amor de Deus, esconde-me esse azul!
Pára de dizer baixinho que não estás a perceber nada disto- estou a ouvir-te e estás a irritar-me! Pára de andar de um lado para o outro, mãos na cabeça, acenos negativos, olhar errante. Pára!
Espera, esquece o que eu disse, não escondas o azul, vem aqui se fazes o favor, encosta-me contra a parede, cala-me com beijos, rasga-me a roupa, tem-me aqui mesmo- contra a parede, no chão, em cima daquela mesa e, se a loucura não nos faltar, naquela cama. Faz-me tua de uma vez.
O que é que foi agora? Custa tanto assim perceber que as pedras que te lanço levam beijos, que só não te quero ver à minha frente porque apenas de olhos fechados sei beijar, que te quero, que, se calhar, vê lá tu, até te amo, que te odeio, te odeio, te odeio?
Como é que não percebes, ora pedras, ora beijos, ora pedras mais uma vez?
Vem cá. tens ao menos noção do que acabei de despejar nas tuas mãos? É o meu coração, meu grande estúpido!
Leva-o para casa, olha-o, disseca-o, abre-o de todas as maneiras que souberes, vê a merda em que o deixaste quando foste embora, cose-o, volta a pô-lo como estava, mostra-o à vizinha, ao professor de anatomia, à tua próxima conquista- pendura-o à entrada da cidade.
Faz-lhe o que quiseres mas, por favor, olha-o e vê a merda em que o deixaste.
Agora vê lá, livra-te de fazer como com tudo o resto que te emprestei e que agora se amontoa em tua casa- isso tem de voltar, mal ou bem, tem de voltar.
É o meu músculo vermelho, embora reduzido à merda em que o deixaste, é meu, faz-me falta.